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| tânia carvalho |
| Síncopa |
DANÇA |
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“O coração e as tripas, as pernas e a boca entram para dentro dos ossos. Cada charco de sangue, qualquer canto de olho, as unhas afiadas, até as narinas ofegantes, tudo entra para dentro dos ossos. A superfície opaca dos ossos, pétrea e esfriando, não acusa a presença de ninguém. Assim se fica só. O gesto confinado, interior, quase impossível, um gesto que é pensamento, apenas pensamento, mas que pode quase tudo. Assim se fica só.
O homem sozinho é o lado morto de si mesmo que apodrece a ressurreição. Contém o lado vivo no morto. Vive manifestando a morte. Torna-se subversivo, perverso, mal triste, mal condenado. O homem sozinho falha por dor e vontade. Diz: monstro. Porque o homem sozinho acaba ninguém e a sua própria voz é incapaz de ilusão. Ele perdura como quem morre lentamente e lentamente se afeiçoa ao silêncio ou ao gemido. Até não dizer mais nada para coincidir inteiro com quem é.
Faz tudo pelo contrário. O gesto confinado, interior, mexe o homem sozinho que mexe no mundo como algo secreto, subterrâneo, maligno, esperando. O homem sozinho pode quase tudo e implode. Ele recebe a casa dentro de si mesmo. Os quartos, as mesas, o teto, a janela esconsa, o alçapão, dentro dos ossos. O homem sozinho mexe e afunda. O coração e as tripas entre as tábuas do chão, as rótulas, os pés, o ponto de fuga no horizonte a partir da varanda de cima. Dentro dos ossos. O estômago, a fome, o sonho dentro da fome, a porta da casa.”
Valter Hugo Mãe
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